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Cessão de Direitos Hereditários

20 de Fevereiro de 2023

Com a morte, a herança, ou seja, o conjunto de bens, direitos e obrigações que uma pessoa deixa quando falece, transmite-se imediatamente, pelo menos em tese, para os herdeiros do morto. A transmissão de bens com a morte ocorre por meio da sucessão, que é a forma pela qual os bens, direitos e obrigações de uma pessoa falecida são transferidos para seus sucessores legítimos ou testamentários.

Muito embora essa seja a regra legal vigente no Brasil, na prática, sabe-se que para que se efetive de fato tal transferência patrimonial há necessidade de que se proceda ao inventário dos bens do falecido, seja da forma judicial ou mesmo extrajudicialmente, direto num Tabelionato de Notas à escolha dos herdeiros, quando presentes os requisitos para tal.

O processo de inventário, judicial ou extrajudicial, servirá então para apurar os bens deixados pelo falecido, pagar as dívidas e partilhar a herança entre os herdeiros. O inventário é obrigatório e deve ser iniciado pelos herdeiros ou pelos responsáveis pela administração dos bens deixados pelo falecido, no prazo legal.

Mas o que eu quero abordar aqui é a Cessão de Direitos Hereditários, instrumento jurídico muito útil disponível para os herdeiros, que, podem sim, antes mesmo de providenciarem o inventário, ou mesmo porque não querem adotar tal providência, alienar a terceiros seus direitos sucessórios.

A cessão de direitos hereditários é um instituto do direito das sucessões que permite que um herdeiro transfira para outra pessoa os direitos que possui em relação à herança deixada pelo falecido. Em outras palavras, a cessão de direitos hereditários é a transferência dos direitos de um herdeiro sobre a herança para outra pessoa.

O instituto da cessão pode ser usado como uma forma de obter recursos financeiros, já que o herdeiro pode vender seus direitos a outra pessoa em troca de dinheiro. Isso pode ser útil em situações em que o herdeiro precisa de dinheiro imediato, ou se não tem interesse em participar da partilha dos bens. Pode ser utilizado em casos de desavenças entre os herdeiros, quando um ou mais deles não desejam participar da partilha dos bens. Nesse caso, o herdeiro que deseja ceder seus direitos pode fazê-lo em favor de outro herdeiro que tenha interesse em receber uma parte maior da herança. A cessão nestes casos pode ser utilizada como uma forma de solução pacífica do conflito entre herdeiros.

A cessão de direitos hereditários pode ser utilizada como uma forma de proteção contra os credores quando um herdeiro possui dívidas ou é alvo de ações judiciais. Ao ceder seus direitos hereditários, o herdeiro pode evitar que seus bens sejam alvo de penhora ou outras medidas judiciais.

A cessão de direitos hereditários pode ser utilizada como uma forma de maximizar a herança recebida. Por exemplo, se um herdeiro não tem interesse em receber um imóvel que faz parte da herança, ele pode ceder seus direitos sobre o imóvel a outro herdeiro que tenha interesse. Isso pode resultar em uma partilha mais equitativa e em uma maximização do valor da herança recebida por cada herdeiro. E mais, quando a herança é composta por bens que exigem uma administração complexa ou que geram muitas despesas, um herdeiro pode ceder seus direitos hereditários a outro herdeiro que tenha mais habilidade ou recursos para administrar esses bens. Em algumas situações, os bens herdados podem ser indivisíveis, como no caso de uma propriedade rural ou de uma empresa. Nesses casos, a cessão de direitos hereditários pode ser utilizada como uma forma de evitar a divisão desses bens e permitir que a propriedade ou empresa continue sendo administrada por um grupo menor de herdeiros.

Exemplos práticos: suponha que um pai faleceu deixando dois filhos como herdeiros, mas a partilha dos bens está causando conflitos entre eles. Nesse caso, um dos filhos pode optar por ceder seus direitos hereditários para o outro, como forma de facilitar a divisão dos bens e evitar maiores desavenças. Ou imagine que um avô faleceu deixando uma casa como herança para seus netos. No entanto, a casa está hipotecada e há uma dívida a ser paga. Nesse caso, os netos podem optar por ceder seus direitos hereditários para um terceiro que assumirá a responsabilidade pelo pagamento da dívida e ficará com a casa. Suponha agora que uma empresa familiar seja herdada por quatro irmãos. No entanto, apenas um deles tem interesse em continuar com a gestão da empresa. Nesse caso, os outros três irmãos podem optar por ceder seus direitos hereditários para o irmão interessado, permitindo que ele assuma a gestão integral da empresa. Por fim, um último exemplo prático: imagine que um casal faleceu deixando uma única casa para seus três filhos. Dois dos filhos não têm interesse em manter a casa e muito menos interesse em promover o inventário, enquanto o terceiro quer ficar com ela. Nesse caso, os dois filhos podem ceder seus direitos hereditários para o terceiro filho, que passará a ser o único proprietário da casa, e promoverá às suas expensas todo o inventário.

A cessão dos direitos hereditários pode se dar sobre toda a herança, ou sobre apenas um bem individualizado, ou uma fração. E é importante notar desde logo que o cessionário de direitos hereditários tem legitimidade concorrente para promover o próprio inventário judicial ou extrajudicial.

Alguns detalhes, no entanto, exigem criteriosa análise por um advogado especialista, de modo a que a cessão seja bem sucedida.

A cessão que envolve bem individualizado, por exemplo um imóvel da herança, por exemplo, só terá eficácia após a conclusão da partilha de bens, na qual efetivamente o bem tenha sido destinado ao cedente.

Exemplifico: Um herdeiro cede seus direitos hereditários sobre determinado imóvel. O cessionário, ou seja, aquele terceiro que adquiriu esses direitos, deverá ter em mente que esta aquisição só será eficaz se aquele herdeiro efetivamente receber o imóvel por força da partilha de bens futuramente operada. Ou seja, na cessão de direitos hereditários, o cessionário está adquirindo tão somente um direito em potencial.

Daí ser muito importante a lembrança de que a cessão de direitos hereditários não dá garantia de que o herdeiro receberá efetivamente a parte que lhe cabe na herança, uma vez que a distribuição dos bens pode ser contestada por outros herdeiros ou por credores do falecido.

Por isso, que uma das primeiras providências a serem adotadas pelo cessionário, apoiado por advogado especialista, é certificar-se da qualidade do direito do cedente.

A lei determina uma solenidade para este tipo de negócio. A cessão de direitos hereditários deve ser contratada por escritura pública, lavrada nas notas de Tabelião. Mas em alguns casos específicos, admite-se o documento particular ou mesmo que seja lavrado por termo nos próprios autos do inventário judicial. E ainda, pode-se imaginar a lavratura de uma promessa de cessão, esta sim admitida por instrumento particular. Por isso, deve-se avaliar o melhor caminho a seguir, sempre tendo em mente a segurança das partes e a redução dos custos.

Por fim, cabe salientar que a cessão de direitos hereditários, desde que se respeite todas as suas peculiaridades, pode ser tida como um negócio seguro. Tanto é assim que em determinadas situações ela poderá ser recepcionada pelo Registro de Imóveis e registrada como efetiva Escritura de Compra e Venda. Isso se dá quando a própria partilha de bens já foi previamente registrada, e pode produzir uma economia nos custos do negócio.

Uma última questão sobre a cessão de direitos hereditários digna de nota é a questão relacionada a saber se ela constitui fato gerador de ITCMD ou ITBI, impostos que incidem, respectivamente, sobre as transmissões hereditárias ou gratuitas (do que são exemplos a transmissão causa mortis e a doação), e sobre as transmissões onerosas (aquelas em que já contrapartida em dinheiro ou em outro bem). A questão é controversa na jurisprudência, mas é certo que a não incidência só pode ser obtida pela via judicial, já que administrativamente os Fiscos Estaduais ou Municipais não a reconhecem.

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